Redes sociais falham em moderar conteúdos relacionados a violência

A portaria, do Ministério da Justiça (MJSP), que dispõe sobre medidas administrativas a serem adotadas com objetivo de prevenção à disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas de redes sociais ataca um problema importante, mas falha na escolha das ferramentas empregadas. A análise é do professor da Faculdade de Direito da Uerj, doutor em direito civil e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), Carlos Affonso de Souza.
“Claramente as plataformas, em especial o Twitter, vem falhando em moderar conteúdos relacionados à violência nas escolas, com situações de glorificação sobre atiradores, sobre atos de violência no passado, claramente existe assim uma falha de moderação por parte das empresas. Só que esse erro acaba sendo sucedido por outra situação que também me parece ser passível de críticas”, fala o especialista.

“Porque, se por uma lado, é importante existir uma atuação por parte do governo, das autoridades no combate a esse tipo de material, primeiro acho que se pode questionar o fato de isso vir a partir de uma portaria e de uma portaria que cria ferramentas que dão ao Executivo a possibilidade de dizer o que é lícito e o que é ilícito”.

Segundo Carlos, essa é uma prerrogativa do Judiciário e, de certa maneira, a implementação do texto do MJSP representa a primeira vez — na história da internet brasileira — em que o Executivo indicará os materiais a serem removidos. “Mesmo em 2022, uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral, do ministro Alexandre de Moraes, que foi bastante comentada, sobre remoção rápida, expressa de conteúdos da internet, tratava-se de uma remoção que vinha a partir do Judiciário. Por isso me parece que a portaria é passível de críticas, embora entenda que ela trate de um tema bastante relevante, de caráter urgente”, ressalta o professor. A resolução à qual se referiu foi aprovada pelo TSE em outubro do ano passado, antes do segundo turno das eleições, e ampliou os poderes da Corte para combater a disseminação de notícias falsas nas redes sociais.

Para o advogado Alexander Coelho, especializado em direito digital e proteção de dados, e integrante da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-SP, por sua vez, a portaria editada no dia 12 último é necessária para acelerar o processo de retirada de publicações incentivando ataques contra ambiente escolar ou fazendo apologia e incitação a esses crimes ou a seus perpetradores, pois não houve uma colaboração maior por parte das redes sociais nesse sentido.

“E se a gente fosse seguir o rito normal, de provocar o Judiciário, isso demoraria um certo tempo, então talvez o intuito dessa portaria é ter uma colaboração mais célere por parte das redes sociais”, pontua.

Já na visão do advogado Philipe Cardoso, especializado em direito digital e pós-graduado em Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o texto do MJSP “apresenta algumas medidas válidas para prevenir a disseminação de conteúdos ilícitos, como no caso da criação de banco de dados de conteúdos ilegais nos termos da própria portaria para ser compartilhado com as próprias plataformas de mídias sociais e com isso facilitar a identificação e remoção de conteúdos prejudiciais ou danosos nas redes sociais”.

Porém, acrescenta, em termos de efetividade, não estabelece “nada que seja substancialmente diferente do que já estava previsto na legislação brasileira, especialmente no Marco Civil da Internet, que é a principal legislação quando o quesito é estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil”.

Ainda conforme o advogado, na portaria há “certos termos vagos e abertos à interpretação, o que pode gerar alguma ambiguidade em relação às limitações que podem ser impostas. Portanto, em certos momentos, a clareza da portaria dependerá do contexto e da aplicação específica que lhe for dada, o que pode representar um grande perigo a liberdade de expressão, principal direito fundamental que pode se opor aos termos da portaria como por exemplo ao ‘conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos'”.

O texto não define, afirma, o que é exatamente esse tipo de conteúdo. É vago também, de acordo com o profissional, ao citar “‘eventual”, “outras medidas cabíveis”, “previsíveis” e principalmente no artigo 5º, que menciona que as plataformas de redes sociais devem compartilhar dados que permitam a identificação do usuário ou do terminal da conexão com a Internet daquele que disponibilizou o conteúdo”.

“No entanto, não fica claro se esse compartilhamento deve ser feito apenas em casos específicos ou de forma mais ampla, o que pode gerar dúvidas sobre a privacidade dos usuários considerando ainda a própria Lei Geral de Proteção de Dados”.

Twitter

Na 2ª feira (10.abr), dois dias antes da edição da portaria, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, fez uma reunião com representantres de redes sociais. Na ocasião, o Twitter demonstrou resistência a adotar ações mais incisivas contra conteúdos que incentivem ataques contra ambiente escolar ou façam apologia e incitação. As demais aceitaram bem a sugestões feitas pela pasta.

Após a reunião, Dino fez um apelo para que as plataformas adotassem ações mais incisivas, como exclusão de perfis e monitoramento de mensagens compartilhadas. Além disso, depois de serem publicadas as primeiras notícias sobre a resistência do Twitter, usuários, incluindo a organização Sleeping Giants e o influenciador Felipe Neto, fizeram um protesto na rede, no dia 11 de abril, usando a frase “Twitter apoia massacres” em publicações; ela chegou a primeiro lugar entre os assuntos do momento no Brasil.

“Desde que Elon Musk adquiriu a plataforma, o combate ao ódio foi esquecido, e agora estamos vivendo em um faroeste, onde não há qualquer lei. Se já era ruim antes e dizíamos que não tinha como piorar, hoje o bilionário provou que estávamos errados. Perfis dentro da plataforma que exaltam o nazismo e os massacres às escolas estão passeando livremente pela plataforma”, afirmou o Sleeping Giants na data. Musk, cofundador da Tesla e da SpaceX, oficializou a compra do Twitter em 27 de outubro do ano passado.

Fonte: SBT News