DIFAMAÇÃO NA ERA DIGITAL NA VISÃO DA CORTE EUROPEIA DE JUSTIÇA

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Tanto a legislação comunitária europeia quanto o TJUE devem assegurar a harmonia dos julgados, economia processual e previsibilidade para que um mínimo de segurança seja proporcionado tanto às vítimas (autoras) quando às mídias cibernéticas.

No passado, a veiculação de artigos difamatórios por meio da mídia impressa, radiodifusão ou televisão gerava danos aos direitos da personalidade, em geral, exclusivamente num único e determinado território, de forma que somente casos nacionais excepcionais sofriam impacto internacional.

Todavia, o rápido desenvolvimento tecnológico e advento da Internet tornaram as informações acessíveis direta e livremente por qualquer pessoa em qualquer jurisdição, o que leva, por sua vez, ao aumento da vulnerabilidade das vítimas no que concerne à violação de seus direitos de personalidade.

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem julgado a questão da jurisdição e competência dos Tribunais Nacionais Europeus em matéria referente às disputas judiciais transnacionais baseadas em violação de direitos da personalidade desde o advento da Convenção de Bruxelas (1968), a qual foi posteriormente derrogada pelo  Regulamento de Bruxelas I (2001), e, mais recentemente, pelo Regulamento de Bruxelas Reformulado (2012).

No caso Shevill, uma cidadã britânica domiciliada na Inglaterra, juntamente com a empresa Chequepoint SARL, Ixora Trading Inc. e Chequepoint International Limited iniciaram processos nos Tribunais Britânicos contra a Presse Alliance SA, uma empresa com estabelecimento registrado na França. Os autores da ação alegaram danos oriundos de artigos jornalísticos abusivos publicados pelo Jornal France-soir, que foi distribuído na França e em outros países europeus. O réu arguiu incompetência da Corte Inglesa, pois o jornal France-soir era distribuído primariamente na França, sendo que apenas algumas cópias foram distribuídas na Grã-Bretanha. Assim, os danos não teriam ocorrido na Grã-Bretanha, mas na França.

De acordo com o TJUE, o local da origem do dano é o local do estabelecimento do jornal editorial, pois foi neste território que o evento prejudicial ocorreu. Ademais, o TJUE estendeu as hipóteses de competência e determinou que a vítima também pode intentar uma demanda nos tribunais do local onde o artigo foi distribuído e onde ela teve sua reputação violada.

Contudo, muito embora o Tribunal do estabelecimento da editora e o do local do domicílio do réu tenham competência concorrente para conceder indenização por todo o prejuízo causado pelo ato difamatório, os Tribunais dos Estados onde os artigos foram distribuídos e onde a vítima é conhecida têm competência somente para reconhecer o dano causado dentro do território de cada Tribunal demandado. Esta restrição é conhecida como Princípio do Mosaico.

Esse precedente sujeita-se a críticas, pois permite que o requerente busque o foro de um País cuja lei material seja mais favorável ao seu pleito (forum shopping). Esta foi exatamente a questão suscitada em Shevill, caso em que os autores optaram por processar o réu nos Tribunais da Inglaterra – local onde o jornal foi distribuído gerando impacto negativo sobre a vítima – em vez do lugar do domicílio do réu ou do estabelecimento da editora (França), pois a lei substantiva inglesa era mais favorável às vítimas de difamação do que a lei francesa.

Todavia, devido ao Princípio do Mosaico, a decisão da Corte Inglesa restringiu-se a determinar os danos materializados exclusivamente no território britânico.

Mais recentemente, nos processos e-Date Advertising e Olivier Martinez, o TJUE decidiu que, além do critério geral baseado no domicílio do réu, os Tribunais do estabelecimento ou domicílio do editor ou do local em que a vítima tem o seu “centro de interesses” possuem competência para decidir sobre todos os danos decorrentes do ato difamatório. Ademais, os Tribunais do Estado em que o website é ou for acessível também possuem competência muito embora a decisão seja limitada aos danos ocorridos no território desses Tribunais.

Ocorre que, se os artigos difamatórios forem publicados em mais de um Estado, e a vítima for conhecida e ter sua reputação violada em mais de um território, ela poderá intentar diversas ações com o mesmo objeto em jurisdições diversas, prejudicando, assim, a boa administração da justiça e a certeza jurídica.

A jurisprudência do TJUE não resolveu o risco de julgamentos conflitantes quanto aos pedidos de tutela antecipada, julgamento do mérito, à alocação da compensação pelos danos, além da excessiva oneração do réu em caso de propositura de diversas ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir em mais de uma jurisdição.

Desta forma, o direito comunitário europeu ainda ressente a ausência de um marco regulatório que defina a competência das cortes de cada membro da união europeia e o alcance de suas decisões em matéria de difamação cometida por meios  virtuais.

Tanto a legislação comunitária europeia quanto o TJUE devem assegurar a harmonia dos julgados, economia processual e previsibilidade para que um mínimo de segurança seja proporcionado tanto às vítimas (autoras) quando às mídias cibernéticas.